Pensar, conhecer e realizar - Como nasce a Educação? - por Jorge Luiz da Cunha

A proposta desenvolvida neste texto resulta em um relato reflexivo sobre as estratégias políticas, culturais e educacionais ligadas as diferentes culturas ocidentais da antiguidade grega à modernidade contemporânea. Reflexões deste tipo devem analisar a complexidade pré-socrática, passando pelo idealismo socrático-platônico e pelo realismo aristotélico na antiguidade grega; pela cristianização idealista e catequética medieval; pela instrumentalização produtivista na modernidade capitalista dos últimos cinco séculos; mas não cabem aqui. O que interessa verdadeiramente é a educação e a recuperação de sua memória histórica como alternativas vinculadas à sustentabilidade do humano no tempo presente.

Ainda que a abordagem do tema, ?Como nasce a Educação??, ou seja, a história dos conceitos e apropriações práticas educativas seja complexa, é fundamental salientar introdutoriamente que a origem da civilização ocidental - grega, romano, judaico, cristã - está ligada à resposta original da pergunta ontológica, que caracteriza a condição humana individual e coletiva: - qual o sentido e o significado da condição humana? Uma pergunta que nos caracteriza como humanos e que naturalizamos em todas as culturas através do questionamento: - quem somos, de onde viemos e para onde vamos?

Antes dos gregos, até o século VII a. C., todas as culturas conhecidas e divulgadas historicamente fundamentavam sua organização social, econômica, política e cultural a partir de uma resposta mítica à pergunta ontológica. Ou seja, caracterizada pela atemporalidade e pela transcendência e sacralidade. Os gregos, pela primeira vez na história humana, foram a cultura responsável pela resposta original que fundamenta toda a civilização ocidental: - cada um de nós, no uso absoluto de sua liberdade e vontade próprias, deve agir no mundo no transcorrer de sua existência para tornar-se plena e completamente humano. Uma resposta simples, mas que fundamenta toda a centralidade da reflexão humana sobre o humano: - ninguém por nenhum de nós (homem pela mulher, pai pelo filho, senhor pelo escravo, professor pelo aluno, empresário pelo operário, político pelo eleitor, etc., etc.); - somente cada um de nós se quiser e quando quiser com liberdade e vontade próprias; - durante toda a sua existência neste mundo (na infância, adolescência, vida adulta e maturidade); - agindo para existir e (re)existir continuamente para significar-se e (re)significar-se para tomar consciência de si e dos outros como humanos em construção contínua de sua completude.

Uma práxis existencial intimamente associada com as memórias, as lembranças, as narrativas escritas e orais e necessária e dialogicamente utilizadas como forma de partilha com outros de experiências vivenciadas e significadas. Nenhum ser humano produz a integralidade de sua existência, individual e social, sozinho. O diálogo (auto)biográfico é resultado da disposição generosa de partilhar com o/os outro/s as experiências guardadas na memória, que resultaram em valores, práticas de si e identidades sociais: - no diálogo generoso com outro(s) ninguém volta a si mesmo sendo o mesmo! Ou seja, a constituição do humano em processo vivencial é sempre, por sua natureza, (auto)biográfico e formativo educacional. Neste contexto, convém ressaltar que este processo não é coisa simples: - "Como método fundamental, ... a história de vida liquida drasticamente reducionismos assim tão fáceis. Todavia, um engajamento crítico e plenamente consciente em relação à história de vida não é coisa simples, e ela pode ser considerada apressadamente como um atalho vantajoso, como foi algumas vezes interpretada, sobretudo pelos especialistas das ?comunidades?, que são tão generosos socialmente quanto culturalmente ingênuos." (FERRAROTTI, 2014, p. 59).

A materialidade biológica de nossa introdução neste mundo é essencialmente animal. Portanto, ninguém nasce como humano. Qualquer um, pode tornar-se humano, se onde nascer, entre outros seres humanos em permanente formação, tiver acesso as condições de seu próprio desenvolvimento pleno. Como se percebe, esta condição animal potencialmente humana está associada com a resposta à pergunta ontológica da cultura grega. Esta condição do nascimento do humano levou os gregos a desenvolverem o que chamam de ?Paideia? (???????) . Antigo ideal educacional heleno, que inclui principalmente artes, educação, ginástica e política e que fundamenta toda a história e todas as práticas formativas educacionais da civilização ocidental do seu início ao presente.

A ?Paideia? se compõe de contextos formativos físicos, intelectuais e ético-morais:

            - As estruturas da formação física dos sujeitos dizem respeito as condições de sobrevivência, saúde, segurança, bem estar e, também, aos usos proveitosos do tempo ocioso. Por isso, os gregos são os responsáveis pela criação de estruturas sociais de abastecimento de alimentos e água, proteção de crianças, jovens, doentes, idosos. E, também, das atividades físicas como o esporte e a ginástica; e, de atividades de diversão reflexiva, como as artes, especialmente o teatro. Estratégias políticas de urbanidade associadas a formação do humano através dos usos de espaços de exercícios de partilhas e convivências sócio coletivas.

            - A formação educativa intelectual era atribuída, pelos gregos, aos ?melhores entre nós?, os filósofos, reconhecidos por seu amor pela sabedoria (?????????, philosophia). Uma acepção de um conjunto de práticas pedagógicas de formação de crianças, jovens e adultos em processos contínuos de significação do conhecimento já produzido, registrado e acessível. Conteúdos reconhecidos como ?matéria prima? para processos de assimilação, crítica, questionamento, e estímulo de criação de alternativas para questões formuladas sobre a realidade de inserção: - fundamentalmente para o estímulo de significações e consciência de si e dos contextos sociais envolvidos. Aqui, registra-se com clareza o nascimento da educação escolar, não apenas em espaços físicos restritos, mas em convivências e experiências sociais distintas, associadas as narrativas sempre ancoradas em si e na descrição e interpretação de outros. Uma prática formativa educacional que dá origem aos usos da (auto)biografia como estratégias e práticas educativas.

            - A formação ético-moral nasce no exercício da significação da convivência social com sujeitos distintos em espaços públicos (ruas, praças, prédios públicos) da ?Pólis? (cidade-estado). Na cultura grega clássica, e continuamente significado até a contemporaneidade, é um contexto permanente de formação relacionado com a significação de realidades sociais comportamentais absorvidas criticamente. Criando condições de identificação dos bons e dos maus, dos corretos e dos incorretos, dos legais e dos ilegais comportamentos. As realidades narradas - sempre autobiográficas e biográficas - são discutidas e assimiladas dialeticamente criando regras morais que fundamentam princípios sociais da vida em comum. Uma memória importante para legitimar historicamente a luta por uma unidade social consorciada ao reconhecimento do valor da diversidade humana.

            Para inovar e participar do mundo em todos os seus contextos, o que significa estar preparado para elaborar as informações nele produzidas e que se refletem no cotidiano, é necessário compreender que sendo cidadãos e cidadãs do mundo temos o direito de estar suficientemente preparados para apropriar e fazer uso dos instrumentos da realidade cultural historicamente construída. Esse posicionamento, que resulta da relação estratégico-política entre a educação e sua história, cria a possibilidade de evoluir do eu autobiográfico para uma consciência histórico-cultural do sujeito na relação com o mundo e com a humanidade sem distinções. Professores educadores são a possibilidade política, principalmente em tempos aterradores, de construção de alternativas de preservação da igualdade humana, somente admissível no reconhecimento dialógico da diferença.

 

Referência Bibliográfica:

FERRAROTTI, Franco. História e histórias de vida. O método biográfico nas Ciências Sociais. Tradução Carlos Eduardo Galvão Braga e Maria da Conceição Passeggi.  Natal/RN: 2014.