Se eu fosse você, um garoto humilhado - por Max Franco
01 Junho, 2019
Se eu fosse um garoto humilhado, qual história contaria para ressaltar a meritocracia?
O nome dele era Levi, 11 anos de peleja. Era de porte desfavorecido, um fiapo de gente. A roupa em frangalhos não deixava dúvidas: pacote completo do despossuído. Ele trazia em uma mão, uma gaiolinha de madeira, na outra, um passarinho cor-de-rosa. Esse, logo descobrimos, não era hobby ou ornamento, era passarinho ganha-pão. Levi o alugava momentaneamente aos turistas da praia de Trancoso, na Bahia, para as eventuais fotos-com-passarinho-no-ombro. O bichinho era mesmo simpático. Tanto que fizemos a foto e prometemos pagar depois, já que não tínhamos dinheiro na hora. Marcamos o lugar do pagamento da dívida, mas estranhamos a hora.
- 8 da noite? É só essa hora que você vai embora, garoto? - perguntei preocupado. - São 10 da manhã! Você vai passar esse dia todo na praia? Por que tão tarde?
- Todo dia é assim, seu moço. - Ele respondeu com um sorriso acabrunhado. - É a hora do último ônibus para Porto Seguro.
Passamos o dia na praia, eu e a Rebeca, minha namorada. E nos dedicamos àquele dolce far niente sul mare durante o resto do dia.
A noite já estava noturna fazia um tempo quando ouvimos a campainha do nosso quarto. Era ele, o menino do passarinho rosa. Entretanto, em vez do sorriso aberto da manhã, ele, agora, ostentava uma expressão chorosa. Mais que chorosa, desesperada.
- O que houve, Levi? - perguntou-lhe, Rebeca.
- Um turista... - começou ele e resvalou num choro sentido.
Foi aí que nos demos conta de que ele estava sem a gaiola e sem o passarinho.
- Ele fez muitas fotos. Passou uma hora fazendo fotos com a mulher dele. Eu avisei que custava dez reais, mas não quis pagar. Não quis pagar nada. Ele era um desumilde. Foi o que eu disse para ele, "Você é um desumilde, seu moço!". Ele riu, me deu um tapão na orelha e tomou a Penélope charmosa de mim. Ele tomou...
- Onde esse sujeito está, Levi?
- Ele já foi embora faz tempo, seu Max. Ele é um desumilde. Eu disse para ele que era um desumilde e ele riu de mim. Aí tive que ficar na praia pedindo dinheiro até agora. Não posso voltar sem nada. Se eu voltar, tem o namorado da minha mãe que bate em mim. - disse o menino tremendo de tanto chorar. As cicatrizes que povoavam a sua pele comprovavam o seu discurso.
- Você não reclamou? Não avisou a ninguém? - inquiriu a Rebeca.
- Falei com o polícia. Ele disse para eu ficar quieto se não ia me entregar pro obama. É obama, né?
Não consegui corrigi-lo, mas o convidei para comer algo conosco. Na verdade, eu e Rebeca nem fome tínhamos mais depois daquela narrativa. Mas, levamos o garoto para uma lanchonete da pequena vila de Trancoso.
Ele sorriu aquele um sorriso parente daquele da manhã. Juro que foi o sorriso mais triste que vi na vida.
Ao chegar na lanchonete, lhe entreguei um cardápio. Disse que podia escolher o que quisesse. O menino ficou olhando para o cardápio de cabeça para baixo, calado, desconcertado.
Rebeca consertou tudo mais uma vez. É hábito dela.
- Levi, você quer refrigerante e sanduichão de queijo e carne?
Ele balançou a cabeça concordando.
Antes de pegar seu ônibus, dei-lhe mais uma grana. Nada demasiado. Aquilo que tinha nos bolsos. Ele me agradeceu efusivamente e abraçou Rebeca antes de se encaminhar para o ônibus.
Foi-se sem olhar para trás. Cabeça baixa, pernas finas, mãos nos bolsos.
Foi-se para a sua vida humilhada, o menino despassarinhado.
E viva a meritocracia...