Cultura e Humanidade - A grande Babel - por Max Franco
25 Agosto, 2019
Deus não ficou feliz com a torre. Estava ficando alta. Demasiado alta. Já dava para sentir o dulcíssimo aroma dos jardins celestiais. O Senhor, de certo, não aprovaria a vizinhança, o som do funk ecoando nas paredes dos palácios, o cheiro de churrasquinho de gato, o lixo espalhado pelas calçadas polidas pelos querubins.
Deus, na sua sabedoria, não cogitou. Teria que por fim ao famigerado arranha-céu. Entretanto, desta vez, não faria uso de tsunamis, raios ou labaredas, nem sequer Camargo Correa ou Odebrecht. Chegou a cogitar a Vale, mas achou radical. O onipotente preferiu uma solução delicada, quase sofisticada para embargar a tal obra pré-faraônica.
Deus fez com que as pessoas não se entendessem. Embaralhou as línguas. E como não havia wizard nem fisk, a obra parou. Falta de verba? Não. Excesso de língua.
Nada como uma overdose de informação para que ninguém entenda mais nada.
Observando o bizarro cenário nacional e internacional das atualidades, fico pensando se Deus não fez (de novo!) a mesma coisa nesse planeta azul e redondo (seria mesmo redondo? seria mesmo azul?). Afinal, absolutamente ninguém se entende. A cacofonia impera nesses anos de dois-mil-e-tantos...
Não há ninguém na plateia. Todos estão no palco vociferando suas falas ininteligíveis - uns contra os outros - ininterruptamente. Porque todos têm opiniões fundamentadas em não sei quantas bibliografias das mais confiáveis. Fake news existem, mas são os argumentos contra, jamais os meus. Eu amo minhas fontes de redes sociais. São as melhores, encharcadas de credibilidade. Afinal, só é verdade o que concorda comigo. Eu sei de tudo e sei agora e sempre.
Ciência? Para que precisamos de Ciência? Os cientistas são todos uns comprados. Eles fazem parte do plano contra mim, contra nós, contra o mundo. Eles conspiram quanto o bem mundial, contra Deus, contra a igreja, contra a fé, contra o padre, o xamã, o guru, o pastor e o babalorixá. Eles não sabem nada ou - pior - sabem. Mas são patrocinados pelas indústrias de remédios, pelas redes de tv, pelas donos do capital e das capitais. Eles querem nos convencer das vacinas, da terra redonda (sei lá pra quê?), das urnas eletrônicas, dos alimentos sem agrotóxicos, do aquecimento global, da ecologia, da gravidade, de todas essas baboseiras esdrúxulas e desnecessárias.
Sabemos que não precisamos de nada disso. Precisamos apenas da palavra de Deus e de toda palavra que sai da boca dos eleitos. E os eleitos - é claro - somos nós. O resto nem candidato foi.