Pensar, conhecer e realizar - HÁ APENAS UM MUNDO POSSÍVEL! - por Jorge Luiz da Cunha

Vivemos momentos absolutamente estranhos, no que diz respeito, especialmente, aos contextos gerados por grandes retrocessos sociais e políticos que caracterizam o mundo e nosso país hoje.

         O que mais me ocupa (e me estranha) é o retrocesso a práticas e conceitos sociais que remetem para o endeusamento político de alguns personagens - não raro ridículos - e a hegemonia de movimentos ideológicos de cunho religioso hierárquico.

Vivemos um tempo de ameaça constante à autotransformação da sociedade, que segundo Castoriadis (2007), "diz respeito ao fazer social - e, portanto, também político do sentido profundo do termo - dos homens e mulheres na sociedade e nada mais. O fazer pensante e o pensar político - o pensar da sociedade como se fazendo - é um componente essencial disso". E como sociedade estamos abrindo mão disso! Deixando que grupos, movimentos, partidos, autoridades definam o que somos, como devemos agir e viver. Um perigo!

É somente a autonomia e a liberdade, fundamentada na construção do humano, em práticas educativas necessariamente inovadoras, que garantem nossa formação e nossa evolução como sujeitos e como sociedade. Esta autonomia, leva a necessidade da ação, como ação política em detrimento de uma disposição humana meramente especulativa que, invariavelmente, conduz a destinação da condição humana a espaços ideais e transcendentes.

Esta disposição política e crítica, que nasce da qualidade da educação a que somos sujeitos, é condição para elevar-se do sensível ao inteligível, não apenas conhecendo as condições objetivas da existência de si (de seu corpo e de todas as relações possíveis com a materialidade dos contextos de sua existência), mas significando tudo através do conhecimento desta humana existência.

O tornar-se plenamente humano, estabelecido como meta de todo processo educativo, escolar ou não escolar, não é, contudo, um ponto de chegada, mas um motto. Um estimulador deste processo! Processo provocado pela disposição do espírito humano para questionar, que surgiu como resultado da dessacralização do mundo (Vernant, 1972).

Há, sem dúvida, uma inter-relação profunda entre a secularização do pensamento e o surgimento do conceito ocidental de conhecimento:

"Com a secularização, todos os mistérios do mundo, suas razões e significados mais profundos, bem como sua organização e funcionamento, se tornaram acessíveis à interrogação e ao questionamento dos homens. Deixa de haver, segundo este processo, uma razão ou uma entidade extras social atuando por detrás do universo humano. O olhar do homem sobre o mundo se torna fundamental. A realidade deixa de ser aceita passivamente, mas é interrogada, examinada, protestada, aceita ou rejeitada. Este processo permitiu que a humanidade pudesse não somente criar as suas próprias instituições, mas em especial, passasse também a interroga-las." (Rotolo, 2012, pp. 117-118).

O fundamental nesta formulação do que é o conhecimento, e seu papel social e político, é entender que nenhum ser humano nasce com esta habilidade, que apesar de essencialmente humana não é inata, não é própria da condição material com a qual surgimos neste mundo. Nós somente nos tornamos humanos no transcorrer de nossas vidas, na relação e na proporção direta com a qualidade e a intensidade de nossas relações sociais. Sendo assim, como não nascemos humanos, mas podemos nos tornar humanos, é necessário que as comunidades sociais (família, aldeia, cidade e na modernidade o Estado) onde nascemos e crescemos organizem e disponibilizem as estruturas necessárias para nossa humanização.

E neste contexto escolas e práticas educacionais não devem ser espaços e ferramentas de interesses conservadores e politicamente primários. Escolas e educação escolar necessitam continuamente ser inovadoras e livres para exercícios originais e transformadores da constituição humana. Caso contrário, nós e o mundo seremos apenas resultados previsíveis e controláveis, e não espaços e sujeitos completos e realizados, justos e transformadores.