Pensar, conhecer e realizar - Educação e Escola no Século 21 - por Jorge Luiz da Cunha

Para compreender como se constitui a sociedade em que vivemos hoje, no século 21, e como a educação foi concebida e a escola organizada no presente, é fundamental refletir sobre a contemporaneidade, que alguns autores denominam modernidade, pós-modernidade, segunda modernidade, sobremodernidade, modernidade líquida, modernidade reflexiva ou crise da modernidade entre outros conceitos e teorias.

            Esta questão leva diretamente à discussão sobre os contextos educacionais e formativos escolares.

            As escolas tradicionais e sua incoerente postura diante da realidade social presente, profunda e aceleradamente em transformação diante das influências do desenvolvimento tecnológico e do acesso à informação, produzem resultados conservadores e reprodutivos, nunca inovadores. Isso se explica diante da situação concreta do sistema escolar e, também, das políticas públicas e legislação vigentes - não raro produzidas por quem não sabe ou não entende o que é educação e qual o papel da escola.

            A sociedade contemporânea não se apresenta mais como um modelo sólido e estruturado como no período histórico da elaboração do conceito e da construção da escola moderna, a cerca de 500 anos atrás. Mas, não raro a escola mantém a mesma estrutura e os mesmos preceitos daquela época. Esta dissintonia, este desencontro da escola com a sociedade está interferindo intensamente na qualidade das relações sociais formativas que se estabelecem dentro e fora dela.

            A intensão desta reflexão é a busca de compreensão dos sentidos e significados da escola para todos no século 21. Inicialmente vou contextualizar a sociedade moderna e contemporânea, para então apresentar a escola como construção da modernidade num contexto intenso de acelerada transformação do tempo presente; um ritmo progressivo que raramente é sintonizado pelas escolas e práticas educacionais tradicionais.

            Na segunda metade do século 19, a Europa foi sacudida pelo surgimento da indústria e a explosão das tecnologias, e com isso grandes contingentes humanos foram lançados em um ambiente onde nada se assemelhava ao transtorno da existência coletiva até então existente, isto é, à repetição, à preservação dos costumes, às relações personalizadas, à preponderância dos laços morais. Essa industrialização e consequente urbanização abalaram as estruturas sociais, varrendo rotinas e referências estabelecidas, pois provocaram profundas alterações nas formas de trabalho, na tecnologia, na produtividade, nas aglomerações humanas, nos meios de comunicação, etc. (Fridmann, 1999).

            Todas essas mudanças foram denominadas de progresso pelas mentes mais autoconfiantes, um reflexo do entusiasmo diante do sucesso de realizações fundamentalmente econômicas.  Mais tarde surge "a palavra modernidade que foi adotada como designação abrangente e menos apologética que progresso para as mudanças econômicas, sociais, políticas, culturais e subjetivas que criaram esse cenário de façanhas imensas e inseguranças assustadoras" (Fridmann, 1999, p. 03).

            Na Modernidade o homem se conscientiza de suas capacidades racionais para o desvendamento dos segredos da natureza, buscando empregá-las para solucionar seus problemas, e com isso substitui uma cultura teocêntrica e metafísica por uma cultura antropocêntrica e secular. As principais características do projeto moderno são "a ilimitada confiança na razão, capaz de dominar os princípios naturais em proveito dos homens e a crença numa trajetória humana que, pelo mesmo uso da razão, garantiria à sociedade um futuro melhor" (Goergen, 2001, p.12-13).

            A partir disso, o homem depende da sua capacidade racional de desvendar os segredos da natureza, descobrir suas regularidades e colocar estes conhecimentos a serviço do homem através da criação e dos usos da tecnologia. A razão torna-se a nova força do homem pela qual ele pode intervir no mundo natural e social, promovendo a emancipação do homem através da ciência e da tecnologia.

            Essa intervenção no mundo natural e social através do uso indiscriminado da razão não levou o homem à felicidade, a um bem maior para toda a comunidade, mas sim a fracassos e a grandes catástrofes e "forças que se avolumam, ganham contorno, expandem-se e indicam caminhos anteriormente não previstos pelas grandes teorias da modernidade, que associavam razão, progresso, emancipação e felicidade" (Fridmann, 1999, p. 18).

            Zygmunt Bauman interpreta a modernidade como um sólido, contrapondo com a época atual que seria fluída, líquida, pois "os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantém sua forma com facilidade" (Bauman, 2001, p. 8). A presente fase, a modernidade líquida, "ideia que Bauman utiliza para expressar sua concepção de modernidade, que, para ele, adquiriu uma perspectiva transbordante, esvaída, em oposição ao conceito de sólido enquanto duradouro, dada a fluidez do mundo contemporâneo" (Soczek, 2004, p. 2), está marcada pela desconstrução da ideia de comunidade. A separação entre os produtores e as fontes de sobrevivência, os negócios e o lar que resultaram na busca do livre lucro; mas também no rompimento dos laços morais e emocionais. Resultando na exigência naturalizada de um controle rígido diante dos conflitos relacionados com a concorrência, a manipulação, a corrupção; e também na emersão da ideia de desregulamentação, econômica, social, cultural, e, portanto, também educacional e escolar.

            Não há como não constatar que as vertiginosas mudanças sócio-político-econômico-culturais que sacodem o nosso tempo, que transformaram a sociedade, pois abalaram os alicerces dos paradigmas da modernidade, precisam ser tomadas como referências para as concepções institucionais escolares, para a formação de docentes educadores, para as práticas inovadoras de ensino. A educação criativa e inovadora é por sua própria natureza uma reação necessária aos contextos, não raro, naturalizados de mera reprodução. Reproduzir, fazer mais do mesmo, não garante o futuro da escola, da educação e da felicidade humana.

REFERÊNCIAS:

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

FRIDMAN, Luís Carlos. Pós-modernidade: sociedade da imagem e sociedade do conhecimento. Hist. cienc. Saúde - Manguinhos, Out 1999, vol.6, no.2, p.353-375.

GOERGEN, Pedro. Pós-Modernidade, ética e educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2001.

SOCZEK, Daniel. Comunidade, utopia e realidade: uma reflexão a partir do pensamento de Zigmunt Bauman. Rev. Sociol. Polit. [online]. Nov. 2004, nº. 23. p. 175-177.